Silvio Caruso Palma
Já
morei em São Paulo diversas vezes, em vários prédios e por muitos anos. Até
cheguei a pensar em incêndio e me preparei para essa emergência. Em uma delas,
já casado, morávamos no 13o andar. Como tínhamos uma decoração rústica,
coloquei uma corda acompanhando todo o rodapé da sala, corredores e quantos.
Sabia que não seria suficiente para chegar até o chão, mas seria melhor pular
do segundo ou terceiro andar, do que lá de cima ou morrer queimado.
Meu
pai sempre dizia: em caso de emergência, mantenha a calma, conselho que passei
para meus filhos.
Uma
imagem gravada em minha mente confirma isso. A matéria de capa do extinto
Jornal da Tarde, sobre a tragédia do Incêndio no Edifício Joelma retratava
isso. Tinha a foto de um camarada de pé no parapeito da sacada do prédio em
chamas, com o paletó dobrado no braço, nó da gravata afrouxado, cigarro entre
os dedos e o olhar perdido... Até procurei saber alguma coisa sobre aquele
sujeito, mas não consegui.
Bem,
vamos ao meu incêndio. Na verdade e por sorte, foi apenas um incendiozinho, que
rendeu no máximo alguns boletins ou notas cobertas em telejornais locais. Mas
isso só se fica sabendo no fim, no começo não se tem a menor ideia das
consequências. Tudo começou por volta de meia noite de um domingo frio de maio.
Eu fumava na área de serviço (não fumo dentro de casa) e meu filho estudava no
quarto dele. De repente ouço um forte barulho de alguém tentando derrubar uma
porta. A primeira ideia é que se tratasse de um desentendimento doméstico.
Nova
batida, acompanhada de um grito: o prédio tá pegando fogo! Liguei o nariz e
confirmei um cheiro de churrasqueia sendo acesa. Chamei meu filho que confirmou
e olhou no corredor. Só a luz de emergência funcionava, mas dava pra ver vultos
de pessoas descendo pela escada. Disse a ele: mantenha a calma, pegue só o que
for mais importante e vamos embora!
Ele
logo voltou com duas mochilas com nossos computadores, alguns livros e um
caderno de anotações da tese de mestrado. Como ainda estava vestido e com os
documentos no bolso, peguei uma das mochilas, uma lata de cerveja no congelador
e saímos. Já no corredor tivemos a primeira boa notícia. O fogo era em um
apartamento do quinto andar. Meu avô dizia que água de morro abaixo, fogo de
morro acima e mulher quando que, não há que segure. Como fogo não desce,
continuei descendo e rindo dos meus pensamentos.
Quando
chegamos ao térreo os bombeiros já estavam entrando e puxando mangueiras do
hidrômetro da rua para o prédio. Moradores e curiosos continuavam chegando na
calçada. Logo vieram ambulâncias de resgate, mais viaturas dos bombeiros e
finalmente e escada Magirus. De uma janela do quinto andar, as labaredas
consumiam as persianas que caiam em chamas. Foi aí que soou o meu alarme: o que
as pessoas procuram salvar numa hora dessas? Tinha de tudo: gente com malas de
viagem (será que estava pronta?), outros com bicicleta, vasos de plantas,
cachorros aos montes, gatos, pássaros e até uma tartaruga!
Concordo
plenamente que os bichos têm que ser salvos, afinal, eles não estavam lá por
que quiseram, foram seus donos que acharam que aquele lugar seria bom para
eles!
Nessa
altura, o incêndio ainda estava começando e minha cerveja já tinha acabado. Meu
filho resolveu participar dessa “missão” e foi até um bar próximo buscar um
litrão...
Estávamos
numa esquina onde o vento faz a curva. O frio estava bravo, mas ficamos ali até
terminar minha coleta de informações e a cerveja. Abandonamos a esquina e fomos
para um bar, pois se a liberação do prédio, saísse, poderia demorar horas!
Causa
do incêndio: a velhinha do quinto andar ligou um colchão elétrico, saiu, e o
colchão pegou fogo.
De
quem é a culpa? Da velhinha, ou do colchão?
Juiz
nenhum condenaria a velhinha!
Claro
que a culpa é do colchão! Aliás, isso é colchão, fogão, ou “cadeira elétrica”?
Não tem um termostato para manter numa determinada temperatura? Se ligar e
dormir, morre queimado? Enfim, não fiquei sabendo a quem coube a
responsabilidade.
Meu
incêndio terminou por volta das três horas da manhã, sem mortos nem feridos,
com apenas três andares a vencer com iluminação de emergência, escadas alagadas
pelos bombeiros e cheiro de queimado que levou uma semana pra sair do prédio.
Mas
a ideia principal ficou martelando na minha cabeça: o que as pessoas procuram
salvar numa situação de emergência?
Depois
de muito pensar, fui pesquisar. Consultei Freud, oráculo, astrólogo, horóscopo
e cheguei à conclusão que a salvação mais correta foi a minha!
De
que adianta morrer torrado, com uma bicicleta retorcida? Com um computador
derretido? Com um cachorro quente? Ou mesmo, com uma sopa de tartaruga? Os
documentos se sobrassem, serviriam apenas para facilitar a identificação...
No
meu caso, tomaria até a última gota da cerveja e o cigarro estava no bolso...
Até
o próximo incêndio, ou pataquada!
*Broncas,
reclamações, sugestões e eventual elogio,
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